INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA AGUDA
A insuficiência respiratória (IR) pode ser definida como a condição clínica na qual o sistema respiratório não consegue manter os valores da pressãoarterial de oxigênio (PaO2) e/ou da pressão arterial de gás carbônico (PaCO2) dentro dos limites da normalidade, para determinada demanda metabólica. Como a definição de IR está relacionada à incapacidade do sistema respiratório em manter níveis adequados de oxigenação e gás carbônico, foram estabelecidos, para sua caracterização, pontos de corte na gasometria arterial, como se segue:
• PaO2 < 60 mmHg
• PaCO2 > 50 mmHg
A IR pode ser classificada quanto à velocidade de instalação, em aguda e crônica. Na IR aguda, a rápida deterioração da função respiratória leva ao surgimento de manifestações clínicas mais intensas, e as alterações gasométricas do equilíbrio ácido-base, alcalose ou acidose respiratória, são comuns. Quando as alterações das trocas gasosas se instalam de maneira progressiva ao longo de meses ou anos, estaremos diante de casos de IR crônica. Nessas situações, as manifestações clínicas podem ser mais sutis e as alterações gasométricas do equilíbrio ácido-base, ausentes.
Exemplos de tal condição são a doença pulmonar, obstrutiva, crônica (DPOC), avançada. Vale salientar que quadros de IR aguda podem instalar-se tanto em indivíduos previamente sadios como, também, sobrepor-se à IR crônica, em pacientes com processos de longa data. Nessa última situação, o uso do termo IR crônica, agudizada é aceitável.
Perfusão
A circulação pulmonar é munida de um vasto leito vascular, no qual os pequenos vasos e os capilares são os responsáveis pela principal atividade funcional.
Tem características de um sistema hidráulico de baixa pressão, complacente e de baixa resistência, que podem ser modificadas por fatores intrínsecos (pressão,
volume, fluxo) e extrínsecos (inervação autonômica, controle humoral) e pelos gases respiratórios.
A perfusão pulmonar pode ser alterada por diferentes desarranjos, como os indicadores:
• Obstrução intraluminal: doenças tromboembólicas, vasculites, acometimento vascular por colagenoses, etc.
• Redução do leito vascular: enfisema, ressecção do parênquima pulmonar, etc.
• Colabamento vascular por hipotenção e choque; compressão vascular por lesões tumorais ou aumento da pressão alveolar, como no caso do uso de ventiladores com pressão positiva.
CLASSIFICAÇÃO
A IR, classicamente, é classificada em tipo I (hipoxêmica) e tipo II (hipercápnica). Uma lista de causas selecionadas de IR está contida na Tabela I. Na IR tipo I, também chamada de alveolocapilar, os distúrbios fisiopatológicos levam à instalação de hipoxemia, mas a ventilação está mantida. Caracteriza-se, portanto, pela presença de quedas da PaO2 com valores normais ou reduzidos da PaCO2. Nesses casos observa-se elevação do gradiente alveoloarterial de oxigênio devido a distúrbios da relação V/Q. Compreende doenças que afetam, primariamente, vasos, alvéolos e interstício pulmonar. Exemplo dessas condições seriam casos de pneumonias extensas ou da síndrome da insuficiência respiratória aguda (SARA).
Nos casos de IR tipo II, ocorre elevação dos níveis de gás carbônico por falência ventilatória. Além disso, também é comum hipoxemia em pacientes, respirando ar ambiente. Esse tipo de IR também é chamado de insuficiência ventilatória. Pode estar presente em pacientes com pulmão normal como, por exemplo, na presença de depressão do SNC e nas doenças neuro-musculares. Entretanto, freqüentemente, sobrepõe-se a casos de IR tipo I, quando a sobrecarga do
trabalho respiratório precipita a fadiga dos músculos respiratórios.
O cálculo do gradiente alveoloarterial de oxigênio permite diferenciar os tipos de IR. Hipoxemia com gradiente aumentado indica defeito nas trocas alveolocapilares
e aponta para IR tipo I. Hipoxemia com gradiente normal é compatível com hipoventilação alveolar (IR tipo II).
Tabela I - Causas de Insuficiência Respiratória.
Insuficiência Respiratória do Tipo I
· SARA
· Pneumonias
· Atelectasias
· Edema Pulmonar
· Embolia Pulmonar
· Quase afogamento
· DPOC em exacerbação
· Asma grave
· Pneumotórax
Insuficiência Respiratória do Tipo II
1- Alterações do SNC
· Lesões estruturais (neoplasia, infarto, hemorragia, infecção).
· Drogas depressoras.
· Hipotireoidismo.
· Alcalose metabólica.
· Apnéia do sono central.
· Doenças da medula: trauma raquimedular,;neoplasia; infecção; infarto; hemorragia; mielite transversa; Guilain-Barré; esclerose lateral, amiotrófica; etc.
2- Alterações neuromusculares, periféricas
· Doenças causadas por neurotoxinas: tétano, botulismo, difteria.
· Miastenia gravis.
· Síndromes paraneoplásicas: Eaton Lambert.
· Distúrbios eletrolíticos : hipofosfatemia, hipomagnesemia, Hipocalemia, hipocalcemia.
· Distrofias musculares
· Poliomiosites.
· Hipotireoidismo.
· Miosite infecciosa.
3- Disfunção da parede torácica e pleura
· Cifoescoliose.
· Espondilite Anquilosante.
· Obesidade.
· Tórax instável.
· Fibrotórax.
· Toracoplastia.
4- Obstrução das vias aéreas, superiores
· Epiglotite.
· Edema de laringe.
· Aspiração de corpo estranho.
· Paralisia de cordas vocais, bilateralmente.
· Estenose de traquéia, traqueomalácia.
· Tumores nas vias aéreas, superiores.
· Apnéia do sono, obstrutiva.
QUADRO CLÍNICO
Uma vez que as causas e os mecanismos envolvidos com a sua gênese são diversos, a apresentação clínica de casos com IR pode ser muito variada. Entretanto, alguns sintomas e sinais são bastante comuns, independente da etiologia, e relacionam-se, principalmente, com as alterações observadas dos gases sangüíneos.
Pacientes com IR, habitualmente, queixam-se de dispnéia e demonstram elevações das freqüências respiratória e cardíaca. Cianose está igualmente presente, quando as concentrações sangüíneas da hemoglobina reduzida excederem 5 g/dl. A medida que a hipoxemia acentua-se, manifestações neurológicas, tais como diminuição da função cognitiva, deterioração da capacidade de julgamento, agressividade, incoordenação motora e mesmo coma e morte, podem surgir.
Manifestações semelhantes podem ser causadas por elevações agudas do gás carbônico. Nos casos em que há hipoxemia crônica, os pacientes podem apresentar sonolência, falta de concentração, apatia, fadiga e tempo de reação retardado. A hipercapnia crônica pode desencadear sintomas semelhantes aos da hipoxemia crônica, além de cefaléia, particularmente matinal, distúrbios do sono, irritabilidade, insatisfação, sonolência, coma e morte.
As manifestações cardiovasculares da hipoxemia e elevação do gás carbônico incluem elevações iniciais da freqüência cardíaca, do débito cardíaco e vasodilatação arterial difusa, seguidos por depressão miocárdica, bradicardia, choque circulatório, arritmias e parada cardíaca.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico e a investigação da causa da IR baseia-se numa história clínica informativa, exame físico, detalhado e exames complementares, adequados. A história clínica, obtida do paciente ou acompanhantes, deverá obrigatoriamente pesquisar, além da queixa ou queixas atuais do doente, a ocorrência de sintomas semelhantes previamente, a presença de doenças de base, antecedentes pessoais, e o uso, atual ou anterior, de medicações com atuação no aparelho respiratório e SNC.
O exame físico do tórax deve ser detalhado, envolvendo, além de percussão e ausculta, ocorrência de cornagem, análise do padrão respiratório, presença de enfisema subcutâneo, tiragem, uso de músculos acessórios da respiração e presença de movimento paradoxal, do abdômen. A presença na inspiração de assincronia toracoabdominal, com expansão do tórax e retração simultânea das porções superiores da parede abdominal, significa fadiga diafragmática e risco de apnéia eminente, sendo indicação para instalação de ventilação mecânica.
A confirmação da presença de IR só é feita pela análise dos gases sangüíneos. Uma indicação rápida das condições das trocas gasosas é dada pela oximetria de pulso. Uma SaO2 inferior a 90% é fortemente indicativa do diagnóstico. Entretanto, inúmeros fatores podem influenciar a leitura desses equipamentos, gerando leituras errôneas, entre elas, a presença de choque circulatório, má perfusão tecidual, cor da pele, etc. Além disso, a oximetria de pulso não fornece medidas relativas aos níveis de gás carbônico. Dessa forma, a colheita de uma gasometria arterial é obrigatória. De modo geral, considera-se uma troca gasosa inadequada, quando a PaO2 é menor que 60mmHg, ou, ainda, quando a PaCO2 ultrapassa 45mmHg.
Porém, cuidados devem ser tomados na interpretação da gasometria arterial:
• Os valores que definem IR são válidos para indivíduos respirando ar ambiente no nível do mar. Moradores onde há grandes altitudes apresentam níveis menores de oxigenação sangüínea, porém sem sintomas.
• Valores confiáveis de gases arteriais só são obtidos com gasometrias colhidas, pelo menos, vinte minutos após a mudança da FiO2, administração de medicações inalatórias ou procedimentos fisioterápicos. A amostra sangüínea deve ser prontamente analisada após sua colheita e transportada ao laboratório,
• É fundamental saber com que fração inspirada de oxigênio foi colhida a gasometria. Uma PaO2 normal, mantida às custas de suplementação com altos
fluxos de oxigênio é naturalmente insatisfatória. Dessa forma, IR pode ser igualmente caracterizada na presença de uma relação PaO2/FiO2 inferior a 300, onde FiO2 corresponde à fração inspirada de oxigênio, em números absolutos (por exemplo, ar ambiente = 0,21).
• Os níveis de oxigenação devem ser interpretados em função da idade. Indivíduos idosos fisiologicamente são mais hipoxêmicos do que jovens. Uma estimativa da PaO2 prevista para a idade, pode ser obtida pela equação:
PaO2 = [ 96,2 - (0,4 X idade em anos) ]
Do mesmo modo, a P(A-a)O2 média, prevista para a idade pode ser estimada pela fórmula:
P(A-a)O2 = [(idade em anos/4) + 4]
• O parâmetro gasométrico que melhor se correlaciona com a ventilação alveolar é a PaCO2, a qual é medida diretamente pela gasometria arterial ou estimada pela capnografia.
• Pacientes portadores de pneumopatias crônicas, tais como DPOC, podem apresentar, cronicamente, níveis acentuados de hipoxemia e hipercapnia, em condições basais. Nesses indivíduos, a caracterização gasométrica de uma descompensação aguda pode ser feita, comparando-se os valores dos gases de momento com exames colhidos em momentos de estabilidade clínica. Além disso, deve-se observar atentamente o pH arterial. A presença de alcalose respiratória pode indicar hiperventilação por acentuação da hipoxemia, enquanto a acidose respiratória indica retenção aguda de gás carbônico.
• Pacientes com quadros de crises asmáticas, graves podem mostrar elevações transitórias dos níveis da PaCO2 devido a broncoespasmo muito intenso e alterações da relação V/Q. Tais pacientes devem ser tratados agressivamente e monitorados de perto,tanto clínica como laboratorialmente, devido à possibilidade de a retenção do gás carbônico agravar-se por instalação de fadiga muscular, respiratória.
• Pacientes com quadros neuromusculares podem apresentar hipoxemia e elevações acentuadas do gás carbônico com pH arterial, normal. Isso ocorre, quando o ritmo de instalação da IR for muito lento. Nessas condições, a indicação de suporte respiratório deve basear-se, também, em outros critérios,
tais como presença de sintomas clínicos e alterações espirométricas (capacidade vital, forçada, geralmente abaixo de 40%).
TRATAMENTO
O tratamento da IR deve ser individualizado, em função das causas desencadeantes e dos mecanismos fisiopatológicos, envolvidos. Broncodilatadores, corticosteróides, diuréticos, antibióticos e procedimentos cirúrgicos poderão ser de maior ou menor valia, em função das condições de base. Apesar disso, alguns princípios gerais se aplicam à maioria dos casos.
Manutenção das vias aéreas
A manutenção de vias aéreas pérvias e a profilaxia de complicações, em especial aspiração, são de fundamental importância em pacientes com IR, particularmente naqueles com distúrbios da consciência.
Nesse caso, o paciente deve ser colocado em decúbito lateral com a cabeça abaixada e a mandíbula puxada para frente, visando evitar a obstrução pela língua. Com essa manobra, não raro, faz-se o diagnóstico de obstrução alta por vômito ou corpo estranho e pode providenciar-se a desobstrução.
O uso de cânula orofaríngea (chupeta) é adequado, quando se espera o rápido retorno da consciência, como, por exemplo, na recuperação anestésica. Caso se espere uma inconsciência mais prolongada ou ventilação mecânica seja necessária, a entubação endotraqueal está indicada. Em casos de obstrução alta acima das cordas vocais, a realização de cricotireoidotomia ou traqueostomia poderá ser necessária.
Pacientes com entubação traqueal ou traqueostomia, particularmente quando sedados ou em coma, devem ter suas vias aéreas periodicamente aspiradas, para evitar obstruções. Frente a dificuldades de ciclagem de um respirador mecânico, caracterizadas por freqüência respiratória, elevada, volume corrente baixo e/ou picos de pressão inspiratória, excessivos, deve-se pensar na possibilidade de obstrução da luz do tubo por rolha de catarro.
Oxigenoterapia
A administração de oxigênio estará indicada nos casos de IR aguda, quando a PaO2 for inferior a 60 mmHg ou a SaO2 inferior a 90%. Nos casos de IR crônica, onde a tolerância à hipoxemia é maior, podese utilizar uma PaO2 limiar de 55 mmHg. Nessas condições, a oxigenoterapia sempre deverá ser introduzida, particularmente, nos casos de IR tipo I.
Os objetivos clínicos, específicos da oxigenioterapia são:
1- corrigir a hipoxemia aguda, suspeita ou comprovada;
2- reduzir os sintomas associados à hipoxemia crônica;
3- reduzir a carga de trabalho que a hipoxemia impõe ao sistema cardiopulmonar.
Existe uma grande variedade de dispositivos fornecedores de oxigênio, capazes de liberar uma ampla gama de valores de FiO2. Alguns sistemas são desenhados para fornecer uma FiO2 fixa, enquanto outros fornecem valores variáveis, não apenas em função da regulação do fluxo de gás, como, também, do padrão respiratório apresentado pelos pacientes. A administração de oxigênio pode dar-se por três grandes grupos de sistemas: os de baixo fluxo, os sistemas com reservatório e os de alto fluxo. Exemplos de dispositivos de baixo fluxo são as cânulas e os cateteres nasais.
Exemplos de sistemas com reservatório são as máscaras simples e as máscaras com bolsas. Exemplos de sistemas de alto fluxo são as máscaras de Venturi, os nebulizadores e os assim chamados “tubos T”. Cada dispositivo fornecedor de oxigênio apresenta particularidades próprias com as quais todo profissional de saúde deve estar familiarizado. Uma descrição de tais detalhes está fora do escopo deste artigo, mas incentivamosfortemente o leitor a efetuar leituras adicionais de textos especializados na área.
A monitorização da oxigenação pode ser feita pela análise da PaO2 e pela SaO2. Como referido anteriormente, tais parâmetros são influenciados pela FiO2, em que o paciente está respirando, podendo-se utilizar a relação PaO2/FiO2 para avaliação da eficácia das trocas gasosas em diferentes ofertas de oxigênio (Tabela II).
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